Foto: Felix Russell Saw (rawpixel)
Ela é uma mulher de fibra. Dá conselhos, orienta, e não tem medo de arregaçar as mangas para somar, seja qual for a situação. Ela não é perfeita, e talvez saiba disso, mas quando cisma com alguma coisa, pode ter certeza que à revelia dela nada vinga. De quem mesmo estamos falando?
Uma avó, mãe, tia, madrinha, irmã mais velha, vizinha … que comandam as próprias famílias carregando a essência africana no peito. E justo essa essência é o foco do Mulherismo Africana, uma teoria e prática que visa africanizar os modos de vida de mulheres negras fora do continente.
Dê uma paradinha e se entenda: quem somos nós, de onde viemos, quais são os nossos valores, as nossas formas de resolver os nossos problemas para que a gente [população negra] possa continuar.
Anin Urassi em: Mulherismo Africana e o resgate do povo preto no mundo.
O surgimento dessa teoria prática é datado em meados de 1987 quando a pesquisadora norte-americana Cleonora Hudson-Weems observou práticas comuns de África presentes no cotidiano de afro-americanas, por mais que não tenham vivida em África. A este cenário se atribui o valor e potência da cultura africana passada – através da oralidade – de geração em geração.
(…) Cleonora Hudson (2016) afirma que o Mulherismo Africana é projetado para todas as mulheres de ascendência africana para que possam definir-se por si mesmas tendo como ponto de partida o conhecimento ancestral do Matriarcado Africano.
Aza Njeri e Dandara Aziza – Entre a fumaça e as cinzas …
No Brasil não é diferente, inúmeras(os) pesquisadoras(es) tem se dedicado à leitura brasileira sobre o Mulherismo; cujas contribuições selam o quanto o país perde ao negar, destruir e invisibilizar o direito da população negra de se reconciliar enquanto filhos de África. De tal sorte, a partir das referências relacionadas nas linhas finais desta postagem, as marcas do cotidiano não negam as nossas origens. Siga as amostras:
em comunidade …
No fazer das reuniões em quintais, como uma espécie de quilombo… Dentro das casas na presença e no apoio à família, seja alegria ou tristeza. Ao pedir a benção aos mais velhos como reconhecimento dos saberes que eles carregam. Eles – os anciãos – são os melhores conselheiros, aos quais é devido todo o respeito.
na transmissão de saberes entre gerações de mulheres …
Para afinar a cintura e proteger o útero o conselho é usar barbante, além das formas de secar o umbigo dos recém-nascidos… Em preparos e usos de chás, unguentos e banhos… Além dos avisos, como: não pisar no chão gelado para não aumentar as cólicas.
e acima de tudo …
Na criatividade de se manter vivo(a), trilhando sobre o chão de cacos do que restou das valores culturais africanos após 500 anos de escravidão, opressão, isolamento, exploração, invasões …
E por que africanizar a vida das mulheres negras que vivem fora do continente através do Mulherismo? É uma boa pergunta. A Civilização Africana é própria, e totalmente diferente das outras civilizações.
Em África a mulher é símbolo de prestígio social; não à toa as mulheres no continente ocupavam os mais altos cargos de gestão política, econômica e até bélica, literalmente é um continente matriarcal. E as marcas dessa ascendência, em território brasileiro, figuram nas práticas das rezadeiras, parteiras, cuidadoras, educadoras, etc, que lidam diretamente com a movimentação de energias potencializadoras. Esta é a razão que explica a crença de que quando a energia feminina é movimentada, todos em volta crescem juntos.
Antes de ir, abra a porta e sinta o Mulherismo Africana através do rap Herança de Drik Barbosa.
Referências
Mulherismo Afrikana e o resgate do povo preto no mundo I – com Anin Urassi, Katiúscia Ribeiro e Wanderson Flor (link)
Mulherismo Afrikana e o resgate do povo preto no mundo II – com Anin Urassi, Lilian Katchaki e Nini Kemba Nayo (link)
Artigos
Entre as Fumaças e as cinzas: Estado de maafa pela perspectiva Mulherismo Africana e a Psicologia Africana por Aza Njeri e Dandara Aziza. (link)
“Revirando as brasas do nosso infortúnio, inalamos a fumaça do ontem e sentimos a quentura dos ecos ancestrais sussurrantes de nosso Espólio de Maafa [termo que condensa todo o sofrimento africano]…”
Mulherismo fricana: práticas na diáspora brasileira por Aza Njeri e Katiúscia Ribeiro. (link)
“… provérbio bantu: Até que os leões inventem suas próprias histórias, os caçadores sempre serão os heróis das narrativas de caça.”
Mulherismo Africana: proposta enquanto equilíbrio vital a comunidade preta por Aza Njeri, Kwame Ankh e Kulwa Mene. (link)
“… homens negros e suas especificidades: da violência vieram, violência reproduziram, reproduzirão e nela serão triturados.”