Mais cedo senti fome sem ter vontade de comer. Agora lavo meus cabelos no banho e lembro como foi aprender a andar de bicicleta. Lembro de morar – nesta época – em um endereço rural onde havia espaço para viver entre árvores, chão de terra e capim.
No dia em questão passei a tarde inteira encarando o guidão da bicicleta com os pés sobre o chão, dando impulsos soltos para conseguir girar as rodas, mas o medo me fazia parar logo em seguida.
Foi então que ao final daquele dia de tentativas veio o impulso final, acompanhado de rápidas pedaladas que me mostraram o ponto de equilíbrio para pilotar uma bicicleta. A sensação foi mágica. E eu me lembro dela agora com vontade de chorar porque eu aprendi sozinha.
Sozinha também aprendi uma série de coisas para não dar trabalho, o que não quer dizer que não errei. E digo também que fazer tantas coisas sozinha, não significa que estive só, mas que tudo que vivi me fez crescer para dentro e encontrar amor aqui dentro. E o preço foi me afastar dos outros, porque eu não sabia como crescer para fora.
E apesar dessa dor da auto responsabilidade, das cobranças que vem de dentro, eu não tenho direito de reclamar. Tenho um teto, não me falta amor entre os meus e ainda guardo sonhos que sinto que serão realizados.
Mas está apertado aqui dentro. Estou com uma vontade imensa de gritar e esvaziar esse nó que vem sendo desfeito, mas ainda está aqui. Esse nó vive em mim há tanto tempo que eu fui crescendo aprendendo a desfazê-lo.
E hoje eu me dei conta de mais uma coisa, o meu filme favorito: O quarto do Jack me fez chorar não só porque o filme tem uma beleza única, mas porque eu estou ali.
O filme conta a história de uma jovem de 16 anos que foi sequestrada, abusada e mantida em cárcere em um cubículo nos fundos da casa do seu algoz. Desse abuso nasceu Jack, uma criança doce que aprendeu com a mãe que aquele mundo de quatro paredes não era imundo ou perverso. Era o único mundo possível.
Com hora certa para comer, tomar as vitaminas, assistir tv, olhar a folhinha cair sobre a claraboia no teto e brincar de esconde esconde no armário quando o algoz os visita. E foi aquela jovem – agora mãe – que fez isso por ele, inventando um mundo para o filho não sofrer. Assistam para saber o que acontece depois!
Em suma, o filme é uma lição para nós – filhos – entendermos o que nossas mães são capazes de fazer por nós.
E a forma que eu me vi naquele filme foi justamente nesse ponto. Eu criei o meu mundo otimista para dar sentido a minha vida. E eu não menti para mim mesma, eu realmente acredito.
Mas anda com uma vontade tão grande de gritar porque eu tenho visto tanta gente fazendo tanta coisa errada e se dando bem com isso que eu me pergunto, é isso!?
Eu estou há tanto tempo buscando ser uma pessoa digna para mim mesma, para minha família e por consequência para todos a minha volta, mas de que adianta? Tudo isso não dá para colocar no currículo. Não convém, os sabichões do-que-fazer-para-conseguir-a sua- oportunidade, dizem.
Mesmo com isso tudo eu continuo a insistir porque acredito, mas estou cansada, fragmentada. E desejo do fundo do meu coração que, pelo menos, nós brasileiros tenhamos a sabedoria de entender que no dia 30 não é sobre verde amarelo ou vermelho. É sobre facismo, ou a esperança de lutar pelo que nós merecemos.